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🔭#9 brincando de autoconhecimento
foi num encontro do lab.oratório, uma comunidade espontânea criada a partir de um convite que fiz na newsletter um tempo atrás, que surgiu a pergunta: “seguindo meu entusiasmo, qual próximo passo eu quero dar?”.
e a resposta foi convidar pessoas pra brincarem comigo.
nesse meio tempo, o termo “imaginação ativa” começou a aparecer.
deixei minha curiosidade me levar. assisti um minicurso no youtube sobre o assunto, aluguei “Nise - o coração da loucura”, um filme brasileiro mencionado em alguns artigos que li sobre imaginação ativa; e por fim, insatisfeita com a profundidade que alcancei, resolvi ler o livro “Alquimia e a imaginação ativa” escrito por Marie-Louise von Franz, uma psicoterapeuta analítica, que trabalhou e continuou o trabalho de Carl Jung.
engoli o livro como há tempos não engolia um livro.
à parte que esbarrei, com insatisfação, num conteúdo muito mais subjetivo que eu estava esperando, ou ainda, mesmo o cerne do livro se limitando praticamente a interpretar registros e diálogos escritos por Dorn - um médico e filósofo de alguns séculos atrás, os conceitos de alquimia, teorias sobre sincronicidade e a ampliação do significado de algumas palavras me deixaram extremamente intrigada.
terminei o livro com mais dúvidas sobre imaginação ativa do que quando comecei.
e então, rolou esse experimento
que chamava “uma brincadeira”: um evento online e ao vivo em que escolhíamos do que queríamos brincar e compartilhávamos presença e reflexões.
abri o encontro perguntando sobre a escolha que cada um fez, e emendei numa instrução meio desajeitada que sugeria que nos desconectássemos dos resultados a fim de entrar em contato com os nossos sentimentos.
durante aproximadamente uma hora fizemos colagens, desenhos e pintura.
com certa dificuldade interrompi a criação - sentindo que poderíamos ficar pelo menos mais uma hora ali.
pedi pra cada um descrever a experiência com a primeira ideia que viesse em mente: “saindo de um transe”, “conexão”, “diversão = liberdade”, “espontaneidade”, “revelação”.
tínhamos entre nós um palhaço que trouxe uma reflexão muito bem humorada sobre celebrar o erro; ele nos contou que o palhaço entra no palco pra errar; que rir do erro é fluir com a vida; que a comédia é a arte mais verdadeira, porque nos retrata falhos e imperfeitos, tal qual somos.
e assim encerramos encerrimos.
desfeito o acordo do julgamento,
olhei pro meu desenho e achei ele bobo, mas pensei em guardar.
“pra que eu vou guardar isso?” - perguntei, tirando umas fotos só por precaução.
“pra jogar fora depois” - meu marido respondeu.
eu ri concordando, enquanto dobrava o papel no meio, sentindo os pedaços de massinha que colei rolando de um lado pro outro.
no dia seguinte,
conversando com a Crisci pedi pra ela me mandar uma foto da colagem que ela tinha feito durante o nosso encontro, no que ela disse que outro dia tinha participado de uma vivência com colagem que, ao final do trabalho, você escolhia qual elemento da colagem mais chamava sua atenção.
imediatamente perguntei se ela já tinha ouvido falar de imaginação ativa.
a resposta foi não.
achei curioso que esse tema voltasse a aparecer pra mim.
face ao meu julgamento, não tinha me ocorrido interpretar à sério aquele desenho que eu fiz brincando, o que agora percebo se conectar com a pobreza da ideia de que brincadeiras são inúteis.
(poderia inserir um ou vinte parágrafos discutindo a atribuição limitante da palavra inútil quando se trata de imaginação - mas esse é um assunto pra outra hora)
pois, aloquei o meu desenho na minha tela imaginária e me fiz a pergunta “qual elemento mais chamou minha atenção”.
era a fumaça.
achei bobo de novo.
falei pra Crisci que tinham sido vários elementos, e ela disse: escolhe o que mais te intriga.
“intrigada acho que é a fumaça. de onde ela tá vindo?”
evoquei todo o meu repertório e continuei o raciocínio:
”a fumaça é o resultado “invisível” de um movimento… aquilo que você não controla. é a consequência de algo que está sendo feito. e feito do lado de dentro, não sei exatamente o que está sendo feito, mas a fumaça deixa claro que tem algo sendo feito. que tem fogo dentro da casa. mas se eu não estou vendo esse fogo, logo, eu não estou controlando esse fogo, quem será que controla então?”
motivada por outras perguntas da Crisci, continuei: ”é um convite a olhar pra esse fogo: minha força interna, que existe independentemente deu querer ver / entrar em contato com ele ou não”
Crisci diz que o boneco está com a cabeça dividida, reparei:
“ele está olhando pras formas quadradas. pro lado que ele está olhando, tudo floresce. ele enxerga as profundezas. mas onde ele vira as costas tá lá meio morto, limitado”
nessa hora, lembrei: ”esse bonequinho era um palitóide, aí eu colei essa blusa gigante em cima dele e depois tampei a cabeça com essa outra cabeça com uma cartola. do tipo tentando ser o que não é pra impressionar alguém?”
”e essas máscaras acabam com a autoconfiança dele, porque eu que dei vida pra ele julguei que ele era feio e tinha que ser de outro jeito pra ser considerado adequado”
e ainda enxerguei:
“ele tá preso nessa estrutura de casa, repara que tem uma linha que divide a riqueza do oceano de onde ele está”
Crisci emenda: ”e o louco é que essa linha não é sólida, porque você pode ver que tem um elemento que transpassa ela - aquele quadrado”
eu concordo: ”ele poderia passar, mas ele acha que a janela que transpassou ali foi um “erro”.”
Crisci observa:
“e outra coisa também é que as plantas vão crescendo de tamanho quando vão se aproximando dessa linha”
eu concordo de novo: ”sim. é onde a prosperidade está. e a nuvem, vei?”
Crisci pergunta: ”Por que o raio está pro lado do boneco e a gota de água parece que vai rolar pro outro lado?”
nesse momento decido ir no lixo resgatar o desenho, porque embaixo da massinha a nuvem estava com uma cara, conforme defini na hora, de cu.
gravo um video arrancando a blusa do bonequinho e a massinha de cima da nuvem.
Crisci discorda da expressão da nuvem ser definida como triste.
levanto uma hipótese de que enxerguei a tristeza porque existe um desconforto em estar na pele daquele bonequinho. (não vemos as coisas como são, vemos as coisas como somos)
Crisci repara que diferente do outro bonequinho, o palitóide olha pra frente.
percebo que ele estava olhando pra mim.
a essa altura sinto que o palitóide é meu eu verdadeiro enquanto o bonequinho da cartola é meu eu exterior. (lembro vagamente de ter lido essas definições num livro do Osho)
Crisci comenta que a fumaça aponta pra direção esquerda, então a nuvem iria para lá, no que percebo que se continuar assim, a nuvem irá obstruir a chaminé e talvez apagar o fogo.
nesse momento percebo que a cabeça falsa não tem boca.
relaciono isso ao medo de ser mal interpretada ou quem sabe, ignorada.
Crisci pergunta como eu acho que enxergar tudo isso pode ajudar.
sinto que preciso aprender a me expressar mais.
a “enquadrar” menos a minha forma de criar.
a me libertar das prisões ilusórias que eu mesma criei.
a me conectar mais com a mensagem que com a forma.
e principalmente, fazer as pazes com aquele bonequinho que por mais imperfeito, tem o seu valor.
e o valor dele está na verdade de ser quem ele é, sem precisar se esconder.
só de aceitar a imperfeição, o palitóide se transforma diante meus olhos.
Crisci fala que acha ele *super fofinho*.
volto no lixo emocionada, e recorto o bonequinho do desenho. deixo ele perto, pra que eu possa acessar esse sentimento de confiar no que é verdadeiro pra mim - acima do meu próprio julgamento.
lembrei de uma frase que escrevi num dia de meditação:
“não precisa ser bonito, só precisa ser verdadeiro”.
o que eu formulei sobre o exercício da imaginação ativa,
tendo agora também experimentado na prática, se divide em dois passos sucessivos:
contato com o subjetivo: você usa sua imaginação de forma ativa: pinta, desenha, faz uma escultura, escreve - sem fazer julgamentos, deixando a espontaneidade conduzir os movimentos
contato com o objetivo: você e/ou alguém analisa(m) o resultado, usando tanto a intuição quanto a racionalidade como ferramentas - fazendo perguntas, deixando a curiosidade conduzir os pensamentos
entendo que um dos objetivos principais é estabelecer um diálogo com o inconsciente através dos símbolos criados na primeira etapa.
e ao mesmo tempo, permitir que os enigmas do inconsciente se revelem e se organizem por conta própria apenas por virem à tona.
em outras palavras, aumentar o repertório sobre o nosso material interno, parece facilitar a cura pra além do corpo.
quem pode medir o impacto insconsciente de arrancar as máscaras de um bonequinho palitóide que foi impedido de ser ele mesmo pelo julgamento de quem o criou?
e indo ainda mais fundo, também enxergo possíveis correlações com esse padrão de insegurança que emergiu através do desenho feito na minha relação com meus pais, principalmente com a minha mãe - reforçando uma cura que já fazemos juntas.
desvendar essas correlações através de materiais internos, subjetivos ou não, é um trabalho necessário, embora doloroso.
uma vez que a análise é feita a partir de uma informação “nova” trazida pelo próprio inconsciente, observo dois fenômenos: o primeiro é que o que é revelado tende a ser verdadeiro, porque se distancia do racional e se aproxima da essência, e o segundo é que a revelação torna-se mais leve porque somos nós mesmxs a reconhecer nossas feridas.
como taróloga, vejo uma relação profunda dessa prática da imaginação ativa com a interpretação dos arquétipos do tarô, e enxergo, cada vez mais, na imaginação um papel fundamental na cura da psiquê humana.
de certa forma, as imagens e os símbolos validam o que estamos sentindo, ao mesmo tempo que o que estamos sentindo nos conduz às interpretações que fazemos.
nessa troca, onde símbolo e interpretação se misturam, a racionalidade trabalha em conjunto com a intuição, e a mágica acontece.
também entrar em contato com as simbologias, não só valida a imaginação como inteligência - quiçá primária, da nossa espécie, mas também nos permite passar por um processo terapêutico que se dá a partir da revelação de padrões invisíveis.
se o que não é visto não é curado, é preciso, antes de tudo, imaginar formas de olhar.